Tradução
Humanum ex machina: A tradução no mundo pós-humano e pós-global [Humanum ex machina: Translation in the post-global, posthuman world]

Mark O’Thomas
Universidade de Newcastle
Traduzido por Cristina da Costa Louçano sob a supervisão de Jorge M. C. Almeida e Pinho
Faculdade de Letras Universidade de Coimbra
Resumo

A tradução encontra-se no epicentro do crescimento exponencial da era da biotecnologia. Os termos de referência desta disciplina estão a ficar cada vez mais instáveis devido à interação dos humanos com máquinas, à sua fusão com elas e, em última instância, à sua transformação em entidades interligadas no meio de outras entidades interligadas. Neste admirável mundo novo, o pós-humano oferece uma perspetiva crítica que nos permite libertar o pensamento para uma forma inovadora e aponta para a possibilidade de uma teoria da tradução ativamente envolvida com outras disciplinas como uma resposta à hegemonia disciplinar. Este artigo analisa o modo como a tecnologia mudou e está a mudar a tradução. De seguida, averigua o envolvimento do transumanismo e a possibilidade de uma teoria da tradução pós-humana. Em última análise, a sobrevivência dos estudos de tradução dependerá da sobrevivência da própria tradução e da sua capacidade de questionar a sua própria identidade subjetiva e pós-humana.

Palavras chave:
Índice

1.Introdução

No filme de Alex Garland de 2015Garland, Alex 2015Ex Machina. United Pictures International.Google Scholar, Ex Machina, existe uma cena em que se verifica que Kyoko, a linda assistente pessoal japonesa do prodígio da tecnologia, Nathan Bateman, é uma réplica robótica perfeita de um ser humano, mas com um defeito marcante: carece do poder da fala. A cena reflete o problema central da investigação em inteligência artificial (IA) dos últimos 50 anos, porque a língua humana permanece como o último bastião quase inatingível, que uma vez eliminado, pode abrir as comportas para consequências inimagináveis. No filme, estas consequências vêm ao de cima quando se descobre que Kyoko nada mais é do que o primeiro protótipo da muito mais sofisticada Ava, cuja capacidade avançada de comunicação começa a problematizar noções de humanidade, consciência e senciência.

Como em muitas outras representações de mundos possíveis em que o avanço tecnológico fica preso a um fim distópico da humanidade, também no futuro de Garland, os avanços no processamento da língua representam uma ameaça direta à vida humana. A capacidade de Ava de passar no teste de Turing dá lugar a enredos mais familiares que a mostram a atacar os seus criadores enquanto caminha em direção a um novo sentimento de liberdade senciente.

As questões sobre a inteligência artificial e sobre as formas como esta pode afetar as relações de poder no futuro podem parecer irrelevantes e sem repercussões para uma área como os estudos de tradução, a qual, nos últimos anos, engenhosamente atravessou as areias movediças teóricas da linguística, do pós-colonialismo e do pós-modernismo, entre outros. Embora muita investigação tenha sido desenvolvida em linguística de corpus, por exemplo, com grandes projetos focados no processo e na mecânica da tradução automática (Avramidis 2014Avramidis, Eleftherios 2014 “Efforts on Machine Learning over Human-mediated Translation Edit Rate.” ACL, Baltimore, Maryland, USA, June 26–27, 2014. DOI logoGoogle Scholar; Chan 2014Chan, Sin-wai ed. 2014Routledge Encyclopedia of Translation Technology. London: Routledge.Google Scholar; Costa-Jussa and Fonollosa 2015Costa-Jussa, Marta R., and José A. R. Fonollosa 2015 “Latest Trends in Hybrid Machine Translation and its Applications.” Computer Speech & Language 32 (1): 3–10. DOI logoGoogle Scholar; Lopez and Post 2013Lopez, Adam, and Matt Post 2013 “Beyond Bitext: Five Open Problems in Machine Translation.” Proceedings of the Workshop on Twenty Years of Bitext, Seattle, Washington, USA, October. Association for Computational Linguistics.Google Scholar), o seu principal foco tem sido a procura de um meio apropriado (e automatizado) para realizar traduções que pareçam humanas (sejam elas, por exemplo, com base em regras ou em estatística), em vez de analisar as consequências críticas para os tradutores e a tradução, como um todo, neste novo mundo emergente de serviços interlinguais automatizados. Por um lado, um programa de tradução automática capaz de produzir traduções com um nível de proficiência humana potencia uma liberalização da tradução, emancipando o mundo das barreiras apresentadas pela tão invocada metáfora da Torre de Babel, como se fosse um ato democrático, porventura útil para desafiar as estruturas tradicionais do poder hegemónico sobre não apenas quem traduz, mas também o que deve ser traduzido em primeiro lugar. Tornar a fonte daquele programa aberta a todos constitui um problema importante para o controle do conhecimento pelos governos, uma vez que as populações ficariam livres de qualquer filtragem governamental das traduções, deixando os cidadãos à vontade para invocar as suas próprias traduções como e quando necessário. Por outro lado, aquele programa de tradução automática apresenta alguns problemas ontológicos e epistemológicos na sua produção, pois pode causar a validação de noções fixas de equivalências entre línguas como sendo factos objetivos e incontestáveis. A natureza dinâmica (e, neste caso, humana) da língua, que está em constante processo de renovação e adaptação, evoluindo tanto em relação a outras línguas como em resposta a novos e emergentes contextos, pode, portanto, ficar atrofiada sob o dossel de ligações algorítmicas que, em última instância, começam a moldar o próprio pensamento humano. O desaparecimento da tradução literária humana, por exemplo, é um resultado possível que muitos considerariam desagradável e fundamentalmente problemático. Com a marcha progressiva da tecnologia para perfurar o que resta do acoplamento cartesiano de mente e corpo, a perspetiva de um mundo transumano ou pós-humano possibilita o surgimento de novas formas de poder, incluindo e indo além dos discursos contemporâneos de biopoder e biopolítica. A forma como a teoria da tradução se envolve construtivamente com estes discursos ajudará a moldar a maneira como pensamos e questionamos a nossa compreensão dos seus processos, e como definiremos a própria “tradução” no futuro. Em Ex Machina, Nathan avisa o seu analista de IA cativo, Caleb Smith, sobre a singularidade expectável que levará os futuros IA a olharem para o humano como um mero “macaco ereto, a viver no pó, com uma língua e ferramentas primitivas, a caminho da extinção.” Já, a sua criação, Ava, tem o imenso terreno da Internet que sustenta o seu sistema operativo, juntamente com capacidades linguísticas que ultrapassam as do humano cuja função é aplicar-lhe o teste Turing. É neste mundo possível que a teoria da tradução deve mergulhar se quiser facultar um meio esclarecedor sobre o crescimento dinâmico e exponencial das tecnologias e o impacto destas nas línguas, nas culturas e no que restará da identidade interlingual subjetiva.

2.A fábrica da tradução

No início do século XXI pós-industrial, a palavra “tradução” agrupou uma gama de significados inter-relacionados, mas diferentes. Por um lado, descreve um processo – um ato de conversão de uma língua para outra – que, embora repleto de problemas (gramaticais, contextuais, lexicais, etc.), evidencia pela sua própria existência a clara possibilidade do seu ser. “Tradução” também se refere ao produto fabricado a partir do seu processo, de modo que, ao realizar o processo de tradução, inevitavelmente se fabrica um produto de tradução. Um terceiro significado remete para o campo do trabalho – a tradução como profissão – algo que, além de realizar e fabricar, também se trabalha “em” e isto é autenticado no mercado por várias formas de certificação que quantificam e garantem um nível de proficiência. O trabalho de tradução pode envolver tradução escrita ou, alternativamente, interpretação oral e ao vivo de uma língua para a outra. Por fim, tradução, em termos muito mais amplos, descreve uma indústria global que atualmente movimenta cerca de 370 milhões USD por ano11.Os números variam de fonte para fonte, mas o valor de 370 mil milhões USD pode ser considerado uma estimativa conservadora. Disponível em www​.economist​.com​/news​/business​/21642187​-technology​-may​-not​-replace​-human​-translators​-it​-will​-help​-them​-work​-better​-say​-what. e que inclui toda a atividade anteriormente descrita, passível de transação, comercialização e venda. A tradução alimentou e tem sido alimentada pela globalização, ao mesmo tempo que tem vindo a reorquestrar os seus fundamentos mercantis, tornando-se uma fábrica global em que os seus produtos, como títulos e ações, são negociados em redes virtuais.

Embora o processamento de texto, a gravação digital, a legendagem e o programa de reconhecimento de fala tenham causado impacto no trabalho do tradutor profissional, o acesso a plataformas digitais por parte de tradutores individuais para obterem e competirem por trabalho transformou a maneira como o trabalho de tradução se processa. A tradução automática está a ser gradualmente introduzida em tarefas cada vez mais rotineiras para os tradutores em todos os campos, sendo que a intervenção humana ativa em textos ocorre cada vez mais apenas na fase de pós-edição. A tradução automática, por sua vez, não afeta apenas a forma como as traduções são realizadas, mas também a própria forma das traduções. Como sugere Anthony Pym (2013Pym, Anthony 2013 “Translation Skill-Sets in a Machine-Translation Age.” Meta 58 (3): 487–503. DOI logoGoogle Scholar, 491–492), estamos a chegar a um ponto que pode levar-nos a uma redefinição não apenas do que é um tradutor, mas também do que a palavra tradução pode na verdade representar. Outros autores foram mais longe e consideraram o crescimento da tradução automática como um indicador precoce do eventual definhar da própria profissão de tradução (Cronin 2003Cronin, Michael 2003Translation and Globalization. London: Routledge.Google Scholar, 115; Lehman-Wilzig 2000Lehman-Wilzig, Sam 2000 “The Tower of Babel vs the Power of Babble: Future Political, Economic and Cultural Consequences of Synchronous, Automated Translation Systems (SATS).” New Media & Society 2 (4): 467–494. DOI logoGoogle Scholar, 484).22.Cronin defende visões pessimistas do futuro da tradução. Contudo, acaba por afirmar que o uso da tecnologia vai permitir que os tradutores se concentrem nos aspetos criativos da tradução (Cronin 2003Cronin, Michael 2003Translation and Globalization. London: Routledge.Google Scholar, 118). O défice de precisão e de nuances da tradução automática é facilmente compensado pela sua capacidade de produzir, de forma imediata, múltiplas traduções de grandes documentos. Ao analisar os sistemas síncronos de tradução automática (SSTA), Lehman-Wilzig observou há cerca de dezasseis anos:

Hoje em dia, os melhores profissionais são capazes de realizar traduções excelentes para três a cinco línguas. Devido à sua memória e à sua rede virtualmente ilimitadas, o SSTA será capaz de traduzir para um número quase ilimitado de línguas a qualquer momento, tornando-se um benefício quantitativo de relevo que compensa a desvantagem qualitativa.(Lehman-Wilzig, 2000Lehman-Wilzig, Sam 2000 “The Tower of Babel vs the Power of Babble: Future Political, Economic and Cultural Consequences of Synchronous, Automated Translation Systems (SATS).” New Media & Society 2 (4): 467–494. DOI logoGoogle Scholar, 480)

Apesar de a dissolução da indústria da tradução parecer ainda algo distante, um conhecimento profundo das ferramentas de tradução assistida por computador (conhecidas como TAC) tornou-se um requisito padrão para os novos tradutores que ingressam na profissão, em que a velocidade é tão valorizada quanto a precisão. Uma grande mais-valia de uma ferramenta de tradução assistida por computador é a capacidade de aprender com o seu tradutor e construir uma memória de tradução mútua (MT), aumentar exponencialmente a própria base de dados e alcançar uma enorme eficiência de tempo. A convergência entre programas de tradução automática e uma base de dados crescente de memórias de tradução está, por um lado, a criar as condições para uma grande mudança de paradigma na forma como as traduções são realizadas e, por outro lado, vai ter um impacto duradouro no processo de tradução e na indústria de tradução, levando esta ao seu fim efetivo. Realça-se o papel do tradutor literário que poderá, quiçá, entrar no domínio de uma aplicação informática que tenha adotado as memórias de tradução de um indivíduo em particular. Mesmo perante o nosso conhecimento e experiência atuais da tecnologia, não é difícil imaginar programas que possam assimilar e adotar não somente o campo lexical preferido de um indivíduo, mas também os seus usos em mais de uma língua. Com o mapeamento destes numa memória de tradução, o programa pode então continuar a produzir traduções semelhantes àquelas que um tradutor possa ter escrito, bem como oferecer a possibilidade de realizar traduções por um tradutor específico, post-mortem.

3.A fábrica é encerrada

Michael Cronin explorou algumas dessas ideias no seu livro Translation and Globalization (2003Cronin, Michael 2003Translation and Globalization. London: Routledge.Google Scholar) e, mais recentemente, em Translation in the Digital Age (2013). Embora Cronin permaneça um pouco cético em relação à visão de que a tecnologia poderá soar como a sentença de morte para a indústria e para a profissão da tradução, admite que pode originar novas e mais urgentes questões para a teoria da tradução. Para Cronin, mesmo que as previsões de Lehman-Wilzig se tornassem realidade, os investigadores da tradução continuariam a enfrentar, todavia, as questões muito reais e urgentes relacionadas com a determinação de quem, na sociedade da informação global, está a traduzir para quem e por qual motivo (Cronin 2003Cronin, Michael 2003Translation and Globalization. London: Routledge.Google Scholar, 118). Estas questões relativas às empresas prestadoras surgem novamente no seu trabalho mais recente, em que a era digital é concebida como a “era da interação” (Cronin 2013 2013Translation in the Digital Age. London: Routledge.Google Scholar, 54) num processo através do qual a tradução pode tornar-se o meio ideal para compreendermos melhor o impacto mais amplo do digital na sociedade. Isto representa uma mudança fundamental que se afasta das preocupações teóricas sobre o que a tradução é e o que a tradução faz, e sobre o modo como a tradução automática funciona e qual a abordagem estatística que poderá proporcionar os melhores resultados, para ir ao encontro de questões que procuram determinar e entender as relações de poder que sustentam as encomendas de tradução. Também representa um atenuar do abismo entre a tradução técnica e a tradução literária de tal forma que pode levar a sensibilidade dos tradutores literários para um estado de apoplexia. É claramente impossível saber, com certeza, quais serão as relações de poder que podem vir a marcar as futuras transações entre as línguas quando a tradução se tornar um ato imediato. Uma consequência possível, por exemplo, poderia ser a fusão final de todas as línguas numa forma hibridizada que contém apenas elementos das formas mais dominantes. O romancista David Mitchell invocou esse mundo possível no seu romance Cloud Atlas (2004Mitchell, David 2004Cloud Atlas. London: Sceptre.Google Scholar), em que a linguagem se tornou um inglês pidgin pós-apocalíptico chamado “yibberin”. Nesse ponto, a necessidade de tradução desaparece e o conto mítico da Torre de Babel encontra a sua imagem espelhada inversa na perda da complexidade e da beleza das línguas múltiplas.

4.A cidade e a tradução

O discurso teórico que emergiu do estudo do papel da tecnologia nos espaços urbanos oferece alguns caminhos possivelmente úteis para conceptualizar de novo o modo como poderíamos pensar o futuro da tradução à medida que passamos de uma era de globalização para uma era de biotecnologia.33.A investigadora de tradução canadiana, Sherry Simon, escreveu duas importantes obras que abordam as interseções entre a cidade e a tradução. Translating Montreal (2006Simon, Sherry 2006Translating Montreal: Episodes in the Life of the Divided City. Montreal: McGill-Queen’s University Press.Google Scholar) explora a história cultural desta cidade através da relação entre a sua arquitetura e a geografia. A autora adota esta metodologia de forma mais ampla em Cities in Translation (2013 2013Cities in Translation: Intersections of Language and Memory. London: Routledge.Google Scholar), em que as conexões entre línguas, memória e paisagem passam a incluir Calcutá, Trieste e Barcelona. Grande parte daquele discurso carrega um legado profundo da obra de Michel Foucault e do seu estudo inovador das instituições dos séculos XVIII e XIX, como a escola, o hospital, o asilo para doentes mentais e, principalmente, a prisão. A conceção de Foucault sobre as “sociedades disciplinares” analisa o modo como o espaço foi delimitado e, então, utilizado para gerar novas forças produtivas que organizaram a sociedade mediante um processo de encaminhamento dos indivíduos de uma sociedade disciplinar para outra (como por exemplo o caminho da escola para a fábrica) de forma contínua, servindo para manter o status quo. No entanto, Foucault também viu que as sociedades disciplinares não eram necessariamente entidades permanentes e estavam, e continuam a estar, sujeitas a crises à medida que davam lugar às sociedades de controle (Deleuze 1992Deleuze, Gilles 1992 “Postscript on the Societies of Control.” October 59: 3–7.Google Scholar, 1–2). Estas ideias foram altamente influentes e fomentaram grande parte do pensamento crítico no final do século XX, principalmente na obra de Deleuze e Guattari (1984Deleuze, Gilles, and Felix Guattari 1984Anti-Oedipus: Capitalism and Schizophrenia. Translated by Robert Hurley, Mark Seem, and Helen R. Lane. London: Athlone.Google Scholar, 1988 1988A Thousand Plateaus: Capitalism and Schizophrenia. Translated by Brian Massumi. London: Athlone.Google Scholar). Félix Guattari (1995)Guattari, Félix 1995 “On Machines.” Journal of Philosophy and the Visual Arts 6 (8): 8–12.Google Scholar, por exemplo, escreveu sobre as forças hegemónicas que podem ser exercidas sobre um indivíduo quando as “sociedades de controle” têm cada um dos nossos momentos digitalizado, monitorizado e sancionado (ou não). Com efeito, o tema da vigilância tem sido responsável por uma ampla gama de obras críticas emergentes neste milénio e até para além deste milénio.

Influenciado por Foucault, entre outros, o sociólogo catalão Manuel Castells tem sido uma figura importante para a reflexão sobre o modo como o espaço da cidade evoluiu em resposta à ascensão das novas tecnologias (Castells 1989Castells, Manuel 1989The Informational City: Information Technology, Economic Restructuring, and the Urban-Regional Process. Oxford: Blackwell.Google Scholar, 2004 2004 “Space of Flows, Space of Places: Materials for a Theory of Urbanism in the Information Age.” In The Cybercities Reader, ed. by Stephen Graham, 83–93. London: Routledge.Google Scholar, 2015 2015Networks of Outrage and Hope: Social Movements in the Internet Age. Cambridge: Polity.Google Scholar). Na sua obra, Castells menciona a expressão “espaço de fluxos” como sendo uma forma conceptual de entender a velocidade e a evolução dos movimentos translocais e transnacionais (Graham 2004Graham, Stephen 2004The Cybercities Reader. London: Routledge.Google Scholar, 82). As relações entre o espaço dos fluxos (o espaço habitado pela atividade tecnológica) e o espaço dos lugares (o espaço geográfico das cidades em que muitos de nós vivemos) foram teorizadas para melhor se entender o desenvolvimento das identidades sociais e as formas em constante evolução em que os espaços da cidade estão a reconfigurar-se. A teoria de Castells, o “urbanismo na era da informação” (Castells 2004 2004 “Space of Flows, Space of Places: Materials for a Theory of Urbanism in the Information Age.” In The Cybercities Reader, ed. by Stephen Graham, 83–93. London: Routledge.Google Scholar, 83), documenta as tensões entre os espaços dos fluxos e os espaços dos lugares. Castells está profundamente preocupado com as mudanças fundamentais e em constante aceleração na paisagem urbana que ocorreram nos últimos vinte anos, grosso modo. Emerge a imagem de uma urbanização desenfreada, onde grandes cidades serão ocupadas por perto de três quartos da população mundial total. A partir das vastas mudanças económicas e sociais que este movimento causou (incluindo numerosos movimentos demográficos), Castells procura teorizar de novo a esfera urbana centrada no que se tornou um tema deveras conhecido na geografia social – a relação entre o local e o global. Castells destaca uma tensão inerente entre essas duas entidades polarizadas, uma tensão que se manifesta nos muitos processos dominantes organizados à escala global (como a economia e os média) enquanto a identidade cultural permanece restringida ao local. Assim, aparece um estado de tensão inerente em que “as cidades são simultaneamente estruturadas e desestruturadas pela ação das duas lógicas rivais, a do espaço dos fluxos e a do espaço dos lugares” (Castells, 2004 2004 “Space of Flows, Space of Places: Materials for a Theory of Urbanism in the Information Age.” In The Cybercities Reader, ed. by Stephen Graham, 83–93. London: Routledge.Google Scholar, 85).

Mais recentemente, Castells observou o surgimento de movimentos populares de protesto a nível mundial, incluindo um grande leque de eventos contemporâneos, tais como a austeridade económica europeia, a chamada Primavera Árabe e o crescimento de movimentos anticapitalistas em todo o mundo. A obra Networks of Outrage and Hope (Castells 2015 2015Networks of Outrage and Hope: Social Movements in the Internet Age. Cambridge: Polity.Google Scholar) analisa o modo como os média forneceram um sistema operativo para os movimentos de protesto que surgiram após 2011 na Tunísia, Islândia, Estados Unidos, Egipto e Espanha. Os sentimentos de esperança e indignação emergem aqui como potentes estados afetivos possibilitados por uma era da Internet que proporcionou o desenvolvimento simultâneo de revoluções em rede. Castells vê um movimento para o exterior que implica uma evolução dos espaços cibernéticos ou virtuais através das redes sociais, como o Facebook e o Twitter, para espaços físicos geográficos onde protestos desembocam literalmente nas ruas. O poder mobilizador da Internet é um fator crítico de protesto popular; uma organização como o movimento Occupy, por exemplo, que “nasceu na Internet, difundiu-se pela Internet e manteve a sua presença na Internet” (Castells, 2015 2015Networks of Outrage and Hope: Social Movements in the Internet Age. Cambridge: Polity.Google Scholar, 168).

O trabalho de Castells, que tem algumas semelhanças com o de outros deterministas tecnológicos, como Clay Shirky (Shirky 2008Shirky, Clay 2008Here Comes Everybody: The Power of Organizing without Organizations. London: Allen Lane.Google Scholar) e Andrew Sullivan (Morozov 2009Morozov, Evgeny 2009 “Iran: Downside to the ‘Twitter Revolution’.” Dissent 56 (4): 10–14. DOI logoGoogle Scholar), encerra algumas noções sobre o modo como podemos conceber e teorizar a tradução na era da Internet de uma forma que pode apontar para uma tendência de potencial liberalização.

5.Espaços dos fluxos e tradução

O conceito de Castells sobre a tensão entre os espaços dos fluxos e os espaços dos lugares dirige-se particularmente à forma como a indústria da tradução evoluiu nos últimos anos. Castells é altamente cético em relação a uma visão do futuro em que deslocar-se para o trabalho já não é necessário e aponta para o impacto dos espaços acelerados dos fluxos nos espaços dos lugares causado pela necessidade constante de grandes conurbações para reforçar e melhorar as suas infraestruturas rodoviárias e, consequentemente, manter-se na vanguarda. Por exemplo, a chegada do projeto Crossrail a Londres encaixar-se-ia bem nessa teorização: aqueles que vivem no extremo este e sul da expansão urbana da cidade terão um acesso rápido para deslocarem-se para o centro da cidade e para o oeste (e para o polo internacional que é o aeroporto de Heathrow). Com uma população cada vez mais urbanizada, para Castells, a necessidade de percorrer distâncias relativamente longas o mais rápido possível vai tornar-se ainda mais importante. No entanto, a maneira como a indústria da tradução se desenvolveu durante o século XXI e os fluxos específicos da tecnologia atualmente conectados às suas operações rotineiras parecem lançar um contra-ataque presciente à ideia de Castells de que localização e destino são pontos coexistentes de processamento eletrónico. A era da Internet permitiu a formação de redes virtuais, em que empresas de tradução gerem os seus negócios online e utilizam plataformas fornecedoras de trabalho a partir de qualquer lugar do mundo para os tradutores. Um tradutor russo que mora em Espanha, por exemplo, pode receber um trabalho da Argentina – um lugar que ela ou ele nunca visitou – e pode ser pago por meio de um sistema de pagamento online como o PayPal na sua própria moeda. O contacto presencial é desnecessário, viajar também, e o impacto do espaço dos fluxos no espaço dos lugares é nulo. Na verdade, num mundo onde o outsourcing se tornou um meio principal para as empresas comprovarem o seu compromisso com a probidade financeira, a indústria da tradução pode estar a estipular a futura tendência organizadora dos fluxos de trabalho.44.Isto também está relacionado com o surgimento da chamada “economia GIG”, em que os trabalhadores estão cada vez mais envolvidos em trabalhos temporários através de uma grande variedade de portais online, inclusive aplicações. Ver, por exemplo, Friedman (2014)Friedman, Gerald 2014 “Workers without Employers: Shadow Corporations and the Rise of the Gig Economy.” Review of Keynesian Economics 2: 171–188. DOI logoGoogle Scholar. Nos seus estudos empiricamente ricos, Castells não aborda o possível impacto das futuras tecnologias ou do modo como elas podem ultrapassar quaisquer tensões aparentes entre os espaços dos fluxos e os espaços dos lugares. A tradução automática, por exemplo, pode tornar-se cada vez mais sofisticada e deixar de ser uma fase do fluxo de pré-edição para transformar-se em algo que pode gerar a suas próprias traduções à prova do teste de Turing, com nuances, intuitivas e afetivas, ao ponto de qualquer trabalho em qualquer literatura poder potencialmente ser acessível a qualquer pessoa de qualquer língua. Nesta conjuntura, tornar-se-á completamente redundante a necessidade física de os humanos deslocarem-se para qualquer lugar para atingir esses fins. Todavia, não se regista uma diminuição evidente das implicações do envolvimento da tradução com a tecnologia – a forma como o seu espaço dos fluxos se relaciona com o seu espaço dos lugares. Na realidade, a possibilidade de aceder a cada vez mais línguas e culturas, de forma imediata, pode resultar numa série de efeitos positivos que oferece uma perspetiva diferente e mais otimista do que as visões populares distópicas proporcionadas pelos filmes e romances contemporâneos.

O paradoxo da tecnologia é também uma preocupação central do teórico dos média Arthur Kroker, que o caracterizou como estando num estado orgânico de aceleração, de deriva e, eventualmente, de colisão, uma vez que, atualmente, nos encontramos no auge do que ele designa “a ponta do pós-humano” (Kroker, 2014Kroker, Arthur 2014Exits to the Posthuman Future. Cambridge: Polity.Google Scholar, 2). O principal objetivo de Kroker é concatenar um caminho através do labirinto tecnológico que tem vindo a testemunhar um crescimento exponencial, um fenómeno que Ray Kurzweil (2005Kurzweil, Ray 2005The Singularity is Near: When Humans Transcend Biology. London: Gerald Duckworth & Co.Google Scholar, 105) denomina “a lei dos retornos acelerados”. À medida que a inovação do meio digital atinge as alturas vertiginosas do domínio global, surge um paradoxo que facilita e permite uma propagação do receio popular pelo mundo em igual medida.

Tal como Castells, Kroker empenha-se em explicar a aparente tensão entre inovação e protesto de uma forma que se identifica mais com os discursos críticos do final do século XX e início do século XXI, influenciados, marcadamente, pelas obras de Foucault. A “Tecnopoiese” – uma espécie de variante tecno da autopoiese55.Para conhecer um recente estudo sobre “autopoiese” e, em particular, a influência das ideias do sociólogo Niklas Luhmann nos Estudos de Tradução, ver Tyulenev (2012Tyulenev, Sergey 2012Applying Luhmann to Translation Studies: Translation in Society. London: Routledge.Google Scholar, 43–44). – emerge como um conceito chave crítico. Representa a forma como a tecnologia está enredada no seu próprio ciclo de retorno com a ciência, produzindo um crescimento exponencial amplamente definido pelas culturas como “progresso”, apesar de muitos desenvolvimentos tecnológicos estarem longe de ser progressivos. Mais uma vez, as questões sobre quem é o proprietário da tecnologia, onde estão localizadas as estruturas de poder e como estas podem ser desafiadas continuam a provocar de forma urgente um discurso crítico cujo rasto pode chegar até Marx e mais além. Andrew Feenberg, por exemplo, defendeu uma revisão das abordagens marxistas da tecnologia; uma abordagem que olhasse de forma mais positiva para a potencialidade da inovação tecnológica (Feenberg, 2002Feenberg, Andrew 2002Transforming Technology: A Critical Theory Revisited. Oxford: Oxford University Press.Google Scholar, 23–35).

6.Vozes globais e a revolução

A maioria da literatura popular sobre tecnologia e tradução centra-se no ritmo implacável da mudança, o qual parece estar repleto de perigos e ameaças (Williams, 2014Williams, Martin 2014 “Tech is Removing Language Barriers – But Will Jobs Be Lost in Translation?The Guardian, 19 September 2014. Accessed February 3, 2016. http://​www​.theguardian​.com​/education​/2014​/sep​/19​/tech​-removing​-language​-barriers​-jobs​-lost​-translation; Fernandez, 2015Fernandez, Maaike Villavicencio 2015 “Is New Translation Technology the End of Language Learning?” Last modified February 8, 2015. Accessed February 3, 2016. http://​www​.pres​-encegroup​.eu​/translations​/2015​/02​/08​/is​-new​-translation​-technology​-the​-end​-of​-lan​-guage​-learning/; Yahaya, 2008Yahaya, Fola 2008 “Managing Complex Translation Projects through Virtual Spaces: A Case Study.” ASLIB Translating and the Computer 30: 27–28.Google Scholar). A história diz o seguinte: no futuro, os tradutores desaparecerão porque serão demasiado lentos em comparação com os seus equivalentes mecânicos; até a tradução literária jorrará de uma máquina de salsichas em que todas as nuances e emoções humanas terão desaparecido. Além disso, o controlo da tradução e, em última análise, da língua humana serão propriedade das mesmas multinacionais que gerem as redes das quais a vida humana se tornará dependente. Com a ascensão de gigantes da tecnologia como a Google, a Amazon e a Apple, existem algumas evidências que sustentam as preocupações desta visão bastante deprimente do futuro (Harrison, 2015Harrison, Peter 2015 “Immortals versus the Precariat.” The Australian Rationalist 97: 11–14.Google Scholar). Contudo, o paradoxo digital (que tenta conciliar os benefícios físicos com os potenciais custos humanos) sugere que o quadro pode ser um pouco diferente. Assim, os comentadores pró-tecnologia, como Castells, têm feito questão de enfatizar o potencial da tecnologia ao destacar as suas capacidades liberalizantes. Em linha com esta perspetiva, a tecnologia fornece a própria plataforma para e até serve para iniciar revoltas e movimentos de protesto em grande escala que apresentam, sem rodeios, um desafio ao controlo hegemónico. A tecnologia aqui não se situa exclusivamente no domínio do que é multinacional; pode, pois, ser manipulada e utilizada como estratégia para contrariar alguns dos aspetos mais desagradáveis do capitalismo global. Se olharmos para a tradução como um campo paradigmático aberto à análise crítica, é possível discernir uma visão mais matizada das suas respostas à tecnologia, para além do seu papel no mercado global. A tradução continua a ser parte integrante da funcionalidade operacional do capital global (basta ver, por exemplo o modo como a tradução endémica permaneceu nas operações habituais do dia-a-dia da União Europeia para observar como a tradução e o capitalismo coincidem). No entanto, tem continuado também a adaptar-se a novos contextos de uma forma que pode desafiar o poder dos governos e as forças hegemónicas a que as populações de todo o mundo permanecem sujeitas.

7.A tradução e a voz global

As novas tecnologias transformaram tanto a mecânica do trabalho (os processos de trabalho empreendidos para realizar uma função específica) e o modo como esta está organizada (o que a tornou inerente e inextricavelmente ligada ao mercado global). Ao mesmo tempo, transformaram a maneira como passamos o nosso tempo de lazer. Existem cada vez mais evidências, por exemplo, de que o consumo tradicional de televisão, especialmente entre os jovens, está a diminuir. O que antes era uma atividade analógica está agora a dar lugar a uma série de passatempos mais interativos porque ver na televisão e ver online estão a tornar-se parte de uma série de atividades de extensão online (Boneva et al., 2006Boneva, Bonka S., Amy Quinn, Robert Kraut, Sara Kiesler, and Irina Shklovski 2006 “Teenage Communication in the Instant Messaging Era.” In Computers, Phones, and the Internet: Domesticating Information Technology, ed. by Malcolm Brynin, Sara Kiesler, and Robert Kraut, 201–218. Oxford: Oxford University Press.Google Scholar; Strangelove, 2015Strangelove, Michael 2015Post-TV: Piracy, Cord-Cutting, and the Future of Television. Toronto: University of Toronto Press.Google Scholar; Tryon, 2015Tryon, Chuck 2015 “TV Got Better: Netflix’s Original Programming Strategies and the On- Demand Television Transition.” Media Industries 2 (2): 104–116.Google Scholar). A proliferação de redes sociais, algumas mais bem-sucedidas (Facebook, Twitter, e-mail) do que outras (MySpace, Second Life), assistiu à territorialização do espaço virtual, pois são empresas privadas que fornecem as plataformas para as interações sociais com uma complexidade e a um ritmo que seriam impensáveis há apenas uma década. Neste sentido, a noção de “poder em rede” de Castells – de acordo com a qual existem muitas redes de poder que, embora ligadas, não se fundem (Castells, 2015 2015Networks of Outrage and Hope: Social Movements in the Internet Age. Cambridge: Polity.Google Scholar, 8) – é útil na medida em que fornece um meio de conceptualizar as estruturas de novas formas de poder, meio este em linha com a ideia de Deleuze e Guattari do rizoma e das estruturas de poder rizomáticas da modernidade do pós-guerra (Deleuze e Guattari, 1998 1988A Thousand Plateaus: Capitalism and Schizophrenia. Translated by Brian Massumi. London: Athlone.Google Scholar, 13).

Embora a chamada era tecnológica em que vivemos tenha transformado a indústria da tradução e a profissão de tradução, as estruturas informais das redes sociais também forneceram uma plataforma através da qual os tradutores de todo o mundo conseguiram estabelecer contactos, partilhar práticas e promover a sua arte para um público global. A Global Voices (globalvoices.org), por exemplo, é uma rede internacional informal de blogueiros, jornalistas e tradutores que surgiu de uma iniciativa da Faculdade de Direito de Harvard, em 2004. A rede baseia-se nos princípios da liberdade de expressão, na defesa dos direitos humanos internacionais e na oposição à censura. Os seus membros escrevem e traduzem publicações de blogues de todo o mundo. A rede recebeu uma série de prémios pelo seu trabalho pioneiro no desenvolvimento de uma plataforma para a divulgação de conteúdos dos média para os cidadãos. Ao abordar questões tão diversas como a mutilação genital feminina na Somália, a censura chinesa na Internet e a corrupção política russa, o Global Voices fornece um repositório central para os cidadãos com tendência liberal de todo o mundo se unirem e explorarem as atuais questões sociais e políticas dos respetivos países numa plataforma virtual cuja base é a utilização da tradução como veículo central de intercâmbio.

Segundo Castells, o Global Voices, fomentado pelo aumento crescente da “autocomunicação em massa”, pode representar apenas mais uma forma de poder em rede ou de movimento social em rede que se esforça para alcançar mudanças através da manipulação de novas tecnologias (Castells, 2015 2015Networks of Outrage and Hope: Social Movements in the Internet Age. Cambridge: Polity.Google Scholar, 6). A missão liberal e liberalizante do Global Voices baseia-se na inclusão e aceitação de outras culturas através da participação voluntária e não mercantilizada de tradutores. Como tal, tem a possibilidade de desafiar as estruturas de poder tradicionais das multinacionais e, ao mesmo tempo, manipular as mesmas tecnologias que as legitimam. Um mundo futuro sem o Global Voices seria um mundo empobrecido, mas, dada a marcha progressiva da integração da tradução na tecnologia, qual seria o sentido de um Global Voices automatizado? Forneceria traduções instantâneas e possivelmente mais precisas em muitas outras línguas. Mas, dado que a estrutura da rede é a própria rede, sem os seus participantes ativos, a razão da existência do Global Voices dissipar-se-ia e acabaria por desaparecer completamente. Não adianta ter a possibilidade de múltiplas traduções num piscar de olhos se não sobrou ninguém interessado em lê-las. Parece que o Global Voices poderia estar a determinar um momento crucial no tempo para a tradução, uma vez que está na iminência de passar da era da Internet para uma nova era, a do alvorecer da Aetas Ex Machina, uma nova era da máquina.

8.Transumanismo

O transumanismo é um movimento com raízes nas décadas de 1980 e 1990 e, numa perspetiva altamente problemática, pode ser visto como parte do movimento mais amplo do pós-humanismo – um termo coletivo que abrange uma série de teorias críticas que partilham um foco conjunto na articulação de um mundo futuro além das características materiais existentes que constituem o estado atual do que é ser humano. Filósofas feministas pós-humanistas, como Rosi Braidotti e Donna Haraway, contribuíram para e enriqueceram a teoria crítica pós-moderna. Com efeito, é de realçar que o discurso do pós-humanismo está intimamente ligado a e é liderado por académicas feministas num mundo neoliberal onde o feminismo tem sido muitas vezes menosprezado, marginalizado e denegrido como sendo uma irrelevância obsoleta (McRobbie, 2009McRobbie, Angela 2009The Aftermath of Feminism: Gender, Culture and Social Change. London: Sage.Google Scholar, 2016 2016 “The End of the Social and the Denigration of Democracy? Wendy Brown, Michel Foucault and Neoliberalism: A Review Essay.” Soundings: A Journal of Politics and Culture 61 (1): 117–123.Google Scholar; Toffoletti, 2007Toffoletti, Kim 2007Cyborgs and Barbie Dolls: Feminism, Popular Culture and the Posthuman Body. London: I.B. Tauris.Google Scholar). Em termos gerais, o pós-humanismo está centrado na teorização de um futuro transcendente ao antropocentrismo, o qual continua a ameaçar a sustentabilidade ecológica do planeta e a sentir uma inquietação material com a ocupação do corpo humano pela tecnologia.

O transumanismo e as suas variantes tecnoprogressistas, como o extropianismo, opõem-se fortemente às narrativas distópicas da cultura popular que procuraram ficcionalizar o potencial dos desenvolvimentos científicos de forma a enquadrá-lo, como já aconteceu, em torno de uma ameaça, em constante evolução, para a democracia social. O extropianismo encara a tecnologia e o progresso como uma relação simbiótica, cuja principal preocupação se centra na capacidade futura da tecnologia em proporcionar melhorias e longevidade ao corpo humano. Assim, o transumanismo tem vindo a centrar-se em melhorias em que a máquina e o corpo se unem, e em que a máquina sustenta e melhora a vida do corpo. Estas melhorias ocorrem através de e em conjunto com a tecnologia, e fornecem o impulso necessário para novos debates éticos na biotecnologia, uma vez que aquilo que é atualmente oferecido como um substituto para órgãos e membros ausentes ou defeituosos (tais como transplantes, implantes e próteses) pode ser disponibilizado como substituto para corpos em envelhecimento, mas ainda assim saudáveis. Por exemplo, o implante coclear – um dispositivo que é colocado cirurgicamente no canal auditivo para estimular o nervo coclear, foi desenvolvido na década de 1980 como uma forma de disponibilizar o som para pessoas com surdez profunda. A sua utilização tem sido algo controversa entre a comunidade surda, porque uma fação significativa dessa comunidade encara a sua adoção como um ato de patologizar a sua condição humana como uma condição de saúde ou uma doença que necessita de cura. Neste sentido, a surdez não é uma deficiência, mas simplesmente uma forma diferente e igualmente importante de compreender o mundo. Esta questão agrava-se com a perspetiva de oferecer uma forma melhorada de audição a um ser humano que já ouve – algo que continua a ser um salto ético que muitos considerariam questionável. Para além de ser altamente controverso, transitar de uma redução dos efeitos de uma deficiência percebida para a disponibilização de uma supercapacidade extra provoca o questionamento sobre o uso crescente de melhorias cirúrgicas no geral. As inovações recentes na tecnologia, como a capacidade das impressoras 3D para imprimir órgãos (Schubert, van Langeveld e Donoso, 2014Schubert, Carl, Mark C. van Langeveld, and Larry A. Donoso 2014 “Innovations in 3D Printing: A 3D Overview from Optics to Organs.” British Journal of Ophthalmology 98: 159–161. DOI logoGoogle Scholar) e a crescente indefinição entre deficiência e melhoria (Camporesi 2008Camporesi, Silvia 2008 “Oscar Pistorius, Enhancement and Post-humans.” Journal of Medical Ethics 34 (9): 639–639. DOI logoGoogle Scholar) parecem apontar para um futuro em que os conceitos de humanidade e de mortalidade se tornam locais de instabilidade e ambiguidade. Todas estas questões exigem uma reavaliação da biopolítica foucaultiana, uma vez que o fornecimento de órgãos e melhorias é distribuído e legislado por poderes dominantes; tudo isto pode ainda proporcionar os meios para o desenvolvimento de novas formas de produção biopolítica; e, de forma mais global, aponta para a formulação de uma biopolítica afirmativa (ver Hardt e Negri, 2009Hardt, Michael, and Antonio Negri 2009Commonwealth. Cambridge, MA: Harvard University Press.Google Scholar).

A tradução numa era transumana inevitavelmente transfere a máquina para dentro do corpo, o programa para dentro dos tecidos moles, a aplicação para o interior do ouvido. O sistema central da IBM que se desintegrou num telemóvel inteligente será literalmente incorporado, à medida que a tradução se torna um processo invisível e automatizado. A multiplicidade de línguas que nos define através de e pelas nossas diferentes culturas deixará de ser um obstáculo à comunicação e à compreensão mútua. Da mesma forma que o corpo humano pode ser reduzido ao seu próprio código genético, a língua será reduzida a um código de tal forma que a própria “tradução” precisará de ser redefinida à medida que deixa de operar no mercado tal como o entendemos atualmente, afastando-se de questões de equivalência linguística, autoria e poder para ir ao encontro de noções de velocidade, precisão e plataforma de ligação. Os tradutores deixarão de ser os guardiões analógicos dos pares binários de conjuntos linguísticos e, tal como a tradução enquanto processo e a tradução enquanto produto, muito provavelmente desaparecerão completamente num reino pós-global e pós-humano. Ainda que tais ideias possam parecer matéria-prima para ficção científica, o crescimento exponencial da tecnologia, que o cientista político americano Frank Fukuyama chama de “século da biotecnologia”, evidencia que já não é uma questão de saber se, mas simplesmente de quando.

9.Tradução, pós-humanismo e poder

O pós-humanismo redireciona a nossa atenção do antropocentrismo para um mundo que se tornou pós-global, onde o tempo e o espaço são tão fluidos como a identidade. A obra de Rosi Braidotti nesta área exige a nossa atenção renovada sobre as implicações ontológicas e epistemológicas para o indivíduo pós-humano. Tal como o investigador e filósofo italiano Giorgio Agamben (1998)Agamben, Giorgio 1998Homo Sacer: Sovereign Power and Bare Life. Palto Alto, CA: Stanford University Press.Google Scholar e as suas observações sobre o biopoder, o projeto de Braidotti depende de uma distinção entre zoë66.O termo “zoë” tem a sua origem em Aristóteles e, mais recentemente, em Hannah Arendt, e distingue “vida” do que poderia corresponder a uma ‘boa vida’. “Zoë” refere-se à existência biológica que está em marcante contraste com a vida política (“bios”) de fala e ação. Estas ideias foram posteriormente desenvolvidas por Giorgio Agamben (1998)Agamben, Giorgio 1998Homo Sacer: Sovereign Power and Bare Life. Palto Alto, CA: Stanford University Press.Google Scholar na sua conceção de “vida nua”. e o que atualmente entendemos como “vida”. A noção de Agamben liberta os seus súbditos dos limites do antropomorfismo e do antropocentrismo que se mantiveram unidos ao abrigo do capitalismo. Braidotti coloca a questão vital de tentar saber em que consiste ser-se humano, o modo como os direitos (humanos) são adquiridos e sob que propósitos, e propõe-se a abandonar o continuum filosófico entre natureza e cultura – uma construção binária que a autora considera já não ser relevante para o mundo cada vez mais próximo das subjetividades pós-humanas (Braidotti, 2013Braidotti, Rosi 2013The Posthuman. Cambridge: Polity.Google Scholar, 3). O projeto de Braidotti pretende revigorar as Humanidades marginalizadas e, ao fazê-lo, propõe um conjunto de novas metodologias de pensamento crítico pós-humano, nomeadamente o rigor cartográfico, a transdisciplinaridade, a crítica combinada com configurações criativas, a não linearidade, o poder da memória e da imaginação, e a desfamiliarização (163). Tal como o indivíduo humano amadurece para a redefinição no enquadramento pós-humano, a tradução – o mais humano dos processos, tão fundamental para a comunicação intercultural – também é colocada em perigo. As definições contemporâneas tornam-se redundantes para um processo que, reduzido a conjuntos de dados e manipulado por software, acabará por ser incorporado e interligado. Vista através da pedra-de-toque metodológica pós-humana da precisão cartográfica de Braidotti, a tradução está a operar a nível global, e quaisquer limitações do espaço físico (que já desapareceram em grande parte) serão quebradas da mesma forma que o tempo acabará por se tornar imaterial para a materialidade das traduções, criadas no momento da solicitação, simultaneamente, em centenas de línguas diferentes, se tal for solicitado. Compreender as questões de poder na esfera da tradução globalizada é conceber uma cartografia que requer a não linearidade para considerar os paradoxos da era pós-humana (165). Assim, para Braidotti, o poder é uma força restritiva, mas também uma prática afirmativa: a tecnologia pode ser utilizada para criar traduções reduzidas e sem imaginação que se aproximam das práticas retrógradas das equivalências padrão, pode ainda criar redes virtuais de tradutores que operam numa esfera global de cooperação mútua. Como vemos, a tradução já está a funcionar dentro deste paradoxo pós-humano, uma vez que a ameaça à criatividade e ao controlo individual é acompanhada por revoltas populares e redes virtuais cooperativas, como a Global Voices.

Uma disciplina académica emergente precisa de elevar o seu estatuto na grande arena crítica e isso envolve inevitavelmente a instituição de fronteiras e a atribuição de dualismos – aquilo que é e aquilo que não é. Os estudos de tradução não são exceção: ao firmar-se como uma área credível, também é uma área que se propõe fundamentar e a territorializar a sua posição. É possível, portanto, traçar uma linha entre o encontro de eslavistas em Moscovo em 1958 (Pym e Ayvazyan, 2015Pym, Anthony, and Nune Ayvazyan 2015 “The Case of the Missing Russian Translation Theories.” Translation Studies 8 (3): 321–341. DOI logoGoogle Scholar, 332),77. Pym e Ayvazyan (2015)Pym, Anthony, and Nune Ayvazyan 2015 “The Case of the Missing Russian Translation Theories.” Translation Studies 8 (3): 321–341. DOI logoGoogle Scholar apresentam um argumento válido para a forma como os estudos de tradução não funcionaram como uma disciplina unificada e sofreram, em particular com o isolamento das teorias de tradução russas motivadas pela Cortina de Ferro, que já continham inovações e descobertas que só apareceram mais tarde. o artigo de James Holmes sobre estudos de tradução de 1972 (Holmes, 1988Holmes, James S. 1988 “The Name and Nature of Translation Studies.” In Translated! Papers on Literary Translation and Translation Studies, ed. by Raymond van den Broeck, 67–80. Amsterdam: Rodopi.Google Scholar) e o apelo de Venuti para uma nova ética da tradução (Venuti, 1998Venuti, Lawrence 1998The Scandals of Ttranslation: Towards an Ethics of Difference. London: Routledge. DOI logoGoogle Scholar) numa trajetória de desenvolvimento que reifica e circunscreve os estudos de tradução como uma disciplina separada de, e oposta a, outros campos afins, tais como a linguística e a literatura comparada. A relação entre os estudos de tradução e os estudos de adaptação é um exemplo revelador sobre o modo como as áreas científicas procuram promulgar a sua independência disciplinar, mesmo quando parecem estar estreitamente alinhadas.88.O envolvimento de Lawrence Venuti com os estudos de adaptação, por exemplo, identificou uma abordagem para unir disciplinas em que a tradução acaba por tornar-se um meio através do qual a teoria da adaptação é criticada (Venuti, 2007 2007 “Adaptation, Translation, Critique.” Journal of Visual Culture 6 (1): 25–43. DOI logoGoogle Scholar). O pós-humanismo ameaça a singularidade da disciplinaridade e faz da transdisciplinaridade uma das suas características distintivas. Num mundo em rede, onde o espaço e o tempo são elásticos, a teoria da tradução terá de se envolver ativamente e interagir com outras disciplinas, em vez de gastar os seus recursos na construção de muros altos para manter os que estão no seu interior aprisionados num vórtice disciplinar. Ao apelar para uma crítica (pós-marxista e pós-estruturalista) que envolva configurações criativas, Braidotti defende a necessidade de, por um lado, libertar a formação de novas ideias conceptuais das limitações do próprio pensamento crítico de orientação normativa. Por outro lado, necessita de participar na oscilação ou no ziguezaguear (Braidotti, 2013Braidotti, Rosi 2013The Posthuman. Cambridge: Polity.Google Scholar, 164) do que acontece entre os binários, a iniciativa rizomática de envolver-se em multiplicidades. A memória também segue um caminho semelhante porque, no mundo pós-humano, deixa de estar limitada às simples cronologias do tempo, apresentando-se antes como uma reinvenção radical e multidirecional do eu dentro do virtual. O funcionamento da tradução no pós-humano precisa, então, de considerar as multiplicidades à medida que constrói novas memórias que ligam a MT da máquina ao humano, e, inevitavelmente, estes dois desenvolvem-se e ziguezagueiam um com o outro, resultando da fricção entre os dois a criatividade. Por fim, a metodologia de Braidotti para o método científico pós-humano engloba um processo de desfamiliarização em que o sentido do eu humano é totalmente abandonado e o sujeito humano deixa de ser o epicentro ou a preocupação central que governa todo o pensamento. Desta forma, uma teoria da tradução pós-humana pode necessitar de considerar a ética e os direitos do tradutor automático e do tradutor humano, mas também pode necessitar de alargar o seu objeto de estudo para incluir a área muito pouco pesquisada da tradução interespécies. No mundo pós-global e pós-humano, onde a máquina e o humano se fundem, tornando-se transumanos e, em última análise, indistinguíveis um do outro, que perspetivas poderá oferecer essa teoria?

Notas

1.Os números variam de fonte para fonte, mas o valor de 370 mil milhões USD pode ser considerado uma estimativa conservadora. Disponível em www​.economist​.com​/news​/business​/21642187​-technology​-may​-not​-replace​-human​-translators​-it​-will​-help​-them​-work​-better​-say​-what.
2.Cronin defende visões pessimistas do futuro da tradução. Contudo, acaba por afirmar que o uso da tecnologia vai permitir que os tradutores se concentrem nos aspetos criativos da tradução (Cronin 2003Cronin, Michael 2003Translation and Globalization. London: Routledge.Google Scholar, 118).
3.A investigadora de tradução canadiana, Sherry Simon, escreveu duas importantes obras que abordam as interseções entre a cidade e a tradução. Translating Montreal (2006Simon, Sherry 2006Translating Montreal: Episodes in the Life of the Divided City. Montreal: McGill-Queen’s University Press.Google Scholar) explora a história cultural desta cidade através da relação entre a sua arquitetura e a geografia. A autora adota esta metodologia de forma mais ampla em Cities in Translation (2013 2013Cities in Translation: Intersections of Language and Memory. London: Routledge.Google Scholar), em que as conexões entre línguas, memória e paisagem passam a incluir Calcutá, Trieste e Barcelona.
4.Isto também está relacionado com o surgimento da chamada “economia GIG”, em que os trabalhadores estão cada vez mais envolvidos em trabalhos temporários através de uma grande variedade de portais online, inclusive aplicações. Ver, por exemplo, Friedman (2014)Friedman, Gerald 2014 “Workers without Employers: Shadow Corporations and the Rise of the Gig Economy.” Review of Keynesian Economics 2: 171–188. DOI logoGoogle Scholar.
5.Para conhecer um recente estudo sobre “autopoiese” e, em particular, a influência das ideias do sociólogo Niklas Luhmann nos Estudos de Tradução, ver Tyulenev (2012Tyulenev, Sergey 2012Applying Luhmann to Translation Studies: Translation in Society. London: Routledge.Google Scholar, 43–44).
6.O termo “zoë” tem a sua origem em Aristóteles e, mais recentemente, em Hannah Arendt, e distingue “vida” do que poderia corresponder a uma ‘boa vida’. “Zoë” refere-se à existência biológica que está em marcante contraste com a vida política (“bios”) de fala e ação. Estas ideias foram posteriormente desenvolvidas por Giorgio Agamben (1998)Agamben, Giorgio 1998Homo Sacer: Sovereign Power and Bare Life. Palto Alto, CA: Stanford University Press.Google Scholar na sua conceção de “vida nua”.
7. Pym e Ayvazyan (2015)Pym, Anthony, and Nune Ayvazyan 2015 “The Case of the Missing Russian Translation Theories.” Translation Studies 8 (3): 321–341. DOI logoGoogle Scholar apresentam um argumento válido para a forma como os estudos de tradução não funcionaram como uma disciplina unificada e sofreram, em particular com o isolamento das teorias de tradução russas motivadas pela Cortina de Ferro, que já continham inovações e descobertas que só apareceram mais tarde.
8.O envolvimento de Lawrence Venuti com os estudos de adaptação, por exemplo, identificou uma abordagem para unir disciplinas em que a tradução acaba por tornar-se um meio através do qual a teoria da adaptação é criticada (Venuti, 2007 2007 “Adaptation, Translation, Critique.” Journal of Visual Culture 6 (1): 25–43. DOI logoGoogle Scholar).

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Endereço de correspondência

Mark O’Thomas

Newcastle University

Newcastle upon Tyne

Tyne and Wear NE1 7RU

UK

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